Vitorino José
Estas instruções fazem parte da parábola do Servo Vigilante. Por ela podemos entender que todos os cristãos são como alguém que foi colocado numa posição de comando, de chefia de um grupo de pessoas para tomar conta delas. Podemos assumir nosso papel e cumprir as ordens, ou então podemos acreditar que o nosso patrão demorará em vir, e sem se importar com suas ordens, podemos impor nossa vontade e nossos desejos sobre nossos subordinados para a exaltação de nosso orgulho. Como não sabemos quando o patrão virá, sempre achamos que haverá tempo de nos preparar para a sua chegada.
Nosso patrão não virá apenas numa única vez, mas várias vezes para verificar nosso comportamento. Aquele que soube sua vontade e sempre a cumpriu será feliz e valorizado acima mesmo de qualquer bem material.
Mas, aquele que soube a sua vontade e não a cumpriu será condenado e sofrerá muito mais do que aquele que não soube a vontade do nosso patrão e fez coisas que merecem castigo.
Direcionado exclusivamente a todos que conhecem as palavras do Cristo, esta lição está voltada muito mais para os espíritas, que podem conhecer mais de perto o significado das mensagens de Jesus.
Não é pretensão nem arrogância do espiritismo e nem dos espíritas, já que tais palavras não significam um privilégio. Trata-se de uma responsabilidade que assumimos aos buscarmos o conhecimento que Ele nos transmitiu.
E porque não as outras religiões? Para esta pergunta precisamos voltar um pouco no tempo.
Jesus não deixou nada por escrito. Todo o Seu Evangelho foi escrito após a sua morte pelos apóstolos que escreveram o que ouviram. Após sua morte, mais precisamente até o império de Constantino, os ensinos de Jesus eram transmitidos entre as pessoas basicamente pelas palavras, já que a maioria das pessoas era analfabeta. Alguém que ouvia as preleções, que sabia ler e que tinha acesso a um ou mais pergaminhos, estudava-os e divulgava o que entendeu às outras pessoas. Era assim como fazemos hoje nas casas espíritas: o expositor estuda o que outros escreveram, interpreta, e conta para uma assembléia o que entendeu.
Para algumas pessoas, a comunicação com os mortos pode ser uma grande novidade. Pode cercar-se de dúvidas e até mesmo descrença. Mas saibam que a comunicação com os mortos não é novidade, nem foi criada ou inventada pelo Espiritismo. Paulo de Tarso, na sua Primeira Epístola aos Coríntios, capítulo 12, nos fala sobre os dons espirituais (mediunidade, para o Espiritismo) e sua diversidade. Não é apenas nesta Epístola que encontramos descrição sobre as comunicações espirituais na época apostólica, mas é a mais significativa.
Nas casas espíritas, muitas das sessões espirituais são feitas com incrível semelhança com as feitas na era apostólica.
Com o Imperador Constantino se filiando a um grupo cristão, os católicos, um dos menores e menos expressivos, a divulgação do cristianismo ganha outra dimensão, bem diferente daquela existente. Entre tantas outras aberrações, a classe sacerdotal é imposta aos cristãos.
Os gnósticos foram praticamente varridos apesar de serem uma maioria esmagadora. Perseguidos, refugiaram-se e se espalharam pelo mundo escondendo pergaminhos e escrituras tidas como sagradas. Hoje em dia existem apenas resquícios desta cultura.
Durante o longo período em que predominou no mundo a crença Católica, mesmo com o surgimento do movimento Protestante, o entendimento e a divulgação do Evangelho ficou obscuro. Os fiéis não tinham alternativa senão seguir a orientação dos padres, que se preocupavam muito mais com a tradição e conceitos católicos do que com os ensinamentos do Cristo.
Os pastores protestantes, que se livraram da tradição católica, fixaram-se nas letras do Evangelho, sem aprofundar seu conhecimento nas idéias divulgadas.
Assim, o entendimento do Evangelho não se tornou acessível a todo o povo como haveria de ser. Foi apenas com o surgimento do Espiritismo, como Cristianismo Redivivo que o Evangelho de Jesus pode, finalmente, ser divulgado nos mesmos moldes dantes praticados, de forma acessível a qualquer pessoa. Ninguém está privado, hoje em dia, do verdadeiro Evangelho de Jesus, aquele Evangelho que podemos e conseguimos entender com a clareza necessária ao homem moderno. E precisamos entender este Evangelho para que melhor possamos praticá-lo.
Mas, entendendo seremos mais culpados de não praticá-lo do que aquelas pessoas que não o conhecem. Isto é responsabilidade, não privilégio.
Pedir muito a quem muito foi dado, é uma situação que acontece em todos os setores da vida humana. Tomemos um exemplo:
Quando entramos numa empresa qualquer, nosso patrão não nos cobra nenhum trabalho bem feito. Passamos por um período de adaptação dentro da empresa, quando recebemos um treinamento apropriado, orientações e explicações necessárias ao cumprimento de nossas tarefas. Nesta fase podemos errar a vontade, porque o erro faz parte do aprendizado. Após esta fase, somos considerados aptos para o desempenho de nossas funções. O que se espera de nós a partir de então, é um trabalho de acordo com o aprendizado. Quando erramos, vem a cobrança. Exige-se um trabalho bem feito. Muito mais se exige de um empregado que há mais tempo executa aquela tarefa.
Outro exemplo podemos encontrar no trato dos pais para com os filhos. Enquanto os filhos são pequenos, os pais os tratam com cuidados especiais, não os punindo por erros cometidos. Ao cometer um erro, a criança é orientada para não os cometer mais, e o aprendizado vai se formando ao longo do tempo. Quando crescidos, os pais não aceitam certos erros, e passam a exigir um comportamento adequado ao aprendizado. Com o desenvolvimento da criança, transformada em adulta alguns erros são inaceitáveis...
Nestes dois exemplos fica claro que quanto mais recebemos, mais somos cobrados. A quem muito foi dado, muito será cobrado. Quanto mais se sabe, menor devem ser os erros. Quanto maior o conhecimento, maior a responsabilidade.
Por outro lado, quando nos comportamos de acordo com o conhecimento que temos, recebemos o mérito de nossos esforços. Geralmente chamamos isso de felicidade.
O grande "segredo" da prática evangélica é justamente o aprendizado. A malandragem, o tal do "jeitinho brasileiro" encontra uma "solução" para aquelas pessoas que não querem se comprometer e preferem ignorar as mensagens do Cristo achando que assim ficarão livres da cobrança. Parece lógico: se não sei, não posso ser cobrado; então evito o conhecimento. É melhor viver na ignorância, já que o conhecimento me compromete. Triste engano.
Triste, principalmente nos dias de hoje quando falar de Jesus e do Evangelho se tornou tão comum. Não precisamos mais nos esconder nas catacumbas, nem fazer sinais para nos reconhecermos como cristãos; nem há o risco de sermos presos, jogados aos leões e nem mesmo sermos queimados em fogueiras para o divertimento do público. O Evangelho não está restrito a um pequeno grupo que sabe ler; está distribuído por todos os cantos. Má vontade não pode justificar a ignorância.
Pessoas acham que existe uma hora certa para se aprender o Evangelho. Acham-se muito novas para isso, e deixam para mais tarde. Outras, dizem não ter tempo, afinal tem o trabalho, a escola, a família... E vão deixando... Deixando... Esquecidos de que não sabemos o dia em que o nosso patrão chega para verificar nosso comportamento. E geralmente o patrão chega quando menos se espera. Aliás, nunca estamos prontos para a chegada do patrão. É aí que surgem as dores, os sofrimentos ou, se preferirem, o "ranger dos dentes".
Muitos se perguntam o que ou quem é o patrão de quem tanto falamos. Dê a ele qualquer nome, mas o patrão é um instante, um momento onde temos que encarar face - a - face nossa própria consciência. O momento em que mais salientemente isto ocorre é quando o anjo da Morte nos faz uma visita. Visita sempre inesperada...
Outras pessoas assumem postura diferente. Não apenas se apegam ao Evangelho, como também desejam a mediunidade sob a alegação que assim poderão melhor entender o significado dos ensinamentos de Jesus. E tornam-se médiuns.
E ao transmitir mensagens do além, ficam maravilhados com os esclarecimentos. Desejam compartilhar com o mundo as mensagens que recebem. Na opinião deles, estas mensagens são sempre dirigidos aos outros, nunca a ele mesmo. Mas é exatamente ao contrário. Todo médium recebe esclarecimentos direcionados primeiramente a ele mesmo, depois aos outros. Ninguém mais que o médium tem o dever de exemplificar em suas atitudes, o entendimento do Evangelho porque, dentre os cristãos, este é o que mais recebeu.
É fácil ser médium, todos o somos. Difícil é ser médium com Jesus, ou seja: ser médium conforme ensina a Doutrina Espírita, pois é necessário um grau de responsabilidade maior, para não cair em erro.
Ainda assim, não podemos nos esquecer que se a cobrança é grande, o mérito também. Na mesma proporção.
Mas, quando analisamos sob esta ótica, o entendimento fica limitado ao nosso vício mental: erro e punição; crime e castigo; acerto e recompensa.
Educamos as crianças e domesticamos animais da mesma forma: quando erram, recebem o castigo; quando acertam recebem um prêmio. Vício mental; fixação em sistemas limitados e diminutos de aprendizagem. Quando falamos em Evangelho, crescimento interior, alcance da felicidade, nos livrarmos dos sofrimentos e dores diversas, precisamos ir além, romper com o vício de tanto tempo.
Quando aprendemos o Evangelho apenas pelo amor ao conhecimento, o que percebemos é uma maneira diferente de entender a vida e o nosso semelhante.
Quando aprendemos, passamos a ver nossos familiares de um jeito diferente. Não são eles que mudam, somos nós que mudamos a maneira de ver. Mudamos porque aprendemos, e ao aprendermos nos tornamos mais tolerantes, mais compreensivos. O sorriso do positivismo passa a freqüentar nossos lábios; desaparecem os deboches, os desprezos; nos tornamos pessoas mais acolhedores e amáveis. E fazemos isto naturalmente, sem esforço.
A cobrança anunciada por Jesus? Não nos preocupa...
O dia em que prestaremos conta com a nossa consciência? Estamos muito bem...
Só tem medo da cobrança quem não se preparou para ela.
O tempo de nos preocuparmos com penas e recompensas já passou. Hoje é o tempo de nos preocuparmos com o nosso crescimento; com o desenvolvimento de nosso sentimento maior: o amor. É tempo de buscarmos uma nova realidade onde possamos exercitar nossas qualidades com o objetivo de nos desenvolvermos, corrigindo defeitos e melhorando as qualidades.
É tempo de nos ajudarmos uns aos outros, passando a frente o que aprendemos e aprendermos com a experiência dos outros.
Não mais crime e castigo; acerto e recompensa. Apenas a troca constante de experiências que favoreçam o nosso crescimento espiritual para que um dia possamos realmente visualizar Jesus Cristo de frente, sem medos, sem vergonhas, com a alma a expressar a grandeza daqueles que aderiram ao Evangelho por uma simples questão de amor.
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