Vitorino José
Podemos definir o livre-arbítrio como a possibilidade de decidir, escolher em função da própria vontade isenta de qualquer condicionamento, motivo ou causa determinante.
O determinismo e a fatalidade podem ser encontrados em todas as situações. Por exemplo, se arremessarmos uma bola de bilhar, que possui um determinado peso, com uma determinada força e se considerarmos todas as variações possíveis, como a direção e força do vento; se a bola foi arremessada sobre uma mesa, as imperfeições dessa mesa; podemos calcular com precisão qual será a sua trajetória e onde irá parar. O resultado desses cálculos é fatal e a bola não conseguirá, mesmo que pudesse, parar em outro local. Isto é determinismo que gera por conseqüência a fatalidade e o destino. Quando aplicado ao homem, as variações são muito grandes, chegando ao infinito e isto nos causa uma falsa sensação de liberdade, de autonomia. Mas qualquer que seja nossa decisão ela já estava prevista e não há nada que possamos fazer para evitar esta ou aquela decisão.
Podemos identificar a fatalidade nos movimentos da terra. Nosso planeta gira em torno do sol numa determinada velocidade, num determinado traçado que nos possibilita calcular exatamente quanto tempo a terra demora pra dar uma volta completa em torno do sol: 365 dias, ou 1 ano. E isto é fatal. Também é fatal que a Terra gira em torno do próprio eixo, e cada volta tem exatas 24 horas, um dia. Também é fatal que estes movimentos determinam não só o período de tempo, mas também determinam as fazes da Lua, as marés e as estações do ano.
Se plantarmos um pé de jaca, não colheremos maças nem jabuticabas. No cruzamento de uma gata com um gato, nascem gatinhos, jamais cachorrinhos.
Enfim podemos afirmar seguramente que a fatalidade, filha do Determinismo, está presente em todos os acontecimentos da natureza, e sempre vista como a conseqüência, ou o resultado de uma ação. Ou seja, tal coisa aconteceu porque uma ação a gerou. A chuva e o raio não acontecem por acaso, ou a semente não germina por acaso.
Seria mesmo impossível a natureza se manter sem o determinismo. Toda a matéria, destituída da razão, é incapaz de decidir por si mesma e por isso o determinismo é uma lei que protege a natureza mantendo seu equilíbrio.
No Determinismo o homem já nasce com toda a sua vida traçada e calculada nos mínimos detalhes. Tudo o que existe faz parte de um conjunto de situações ou fatores que determinam os acontecimentos. Tudo o que acontece, mesmo nossos pensamentos e desejos são frutos de uma ação ou acontecimento anterior. Estamos determinados a um tipo de vida, a vivermos determinadas situações e o conjunto de situações que iremos viver chamamos destino e não há nada que possamos fazer para evitar o destino que já está traçado.
Quase sempre nos valemos desta filosofia, nos momentos em que não queremos assumir nossa responsabilidade pelos atos que cometemos. Botando a culpa no destino ou na fatalidade, encontramos um meio de nos justificarmos perante nós mesmos ou perante a sociedade.
Também usamos o determinismo para consolar alguém naqueles momentos em que sentimos a necessidade, mas não sabemos o que dizer ou que fazer. Então falamos mais ou menos assim: "A vida é assim mesmo. Não se lamente. Não se culpe. Todos temos um destino, uma missão a cumprir...".
Deixando as desculpas de lado, neste contexto determinista, como fica o livre arbítrio?
Ao contrário do determinismo, o livre-arbítrio prega a liberdade de escolha e construção ou modificação do destino a cada opção que fazemos. Somos livres para decidir o que queremos fazer e responsáveis pelas suas conseqüências.
Muitas pessoas acham que o Espiritismo se filia exclusivamente ao livre-arbítrio e nega o determinismo, a fatalidade e o destino. Mas não é bem assim.
O Espiritismo aceita as duas filosofias. Entende que existem fatos que são fatais, que escapam de nosso controle por mais que tentemos evitá-los, mas afirma que tudo o que nos acontece é o resultado de nossas escolhas nesta ou em outras vidas.
A Lei de Causa e Efeito, na verdade, é uma expressão bem clara deste entendimento. Tenho a liberdade de escolher o que fazer, de tomar a decisão. Esta seria a causa. Mas uma vez tomada, gera uma conseqüência (efeito) da qual não podemos nos furtar (fatalidade). Portanto, é fatal que toda causa provoca um efeito.
Os Espíritos nos dizem, n'O Livro dos Espíritos que, de fatal realmente, só existem dois fatos: o nascimento e a morte. Desses dois nenhum de nós consegue escapar.
Sabemos que vamos morrer, que todos nós temos nossa hora já programada embora conscientemente não sabemos quando nem como será. Sabemos que ao chegar esta hora, nada podemos fazer para nos livrar dela. Esta é a fatalidade da morte e a determinação do nosso nascimento.
No entanto, pelo meu livre-arbítrio posso, não só antecipar esta hora como modificar a maneira como morrerei. E no dia a dia fazemos coisas que alteram a programação da nossa morte. Faço isso quando consumo substâncias nocivas como o cigarro, a bebida alcoólica ou outras drogas, quando cometo excessos de todo a sorte como comer exageradamente, entre outras coisas. Também posso antecipar o momento da morte através do suicídio consciente.
Os Espíritos nos esclarecem que nosso livre-arbítrio não é absoluto, é relativo e diz respeito a nossa vida moral, enquanto o mundo físico está subordinado ao determinismo material.
Em verdade não temos a liberdade que imaginamos ter. Qualquer que seja nossa decisão, tomada pelo nosso livre-arbítrio, sua execução pode estar subordinada ao determinismo material.
Num exemplo simples, quando desejamos ir a algum lugar, como ao teatro, ou ao cinema, tomamos uma decisão baseada na nossa vontade. Mas, se ao sair de casa cai uma chuva muito forte, um verdadeiro "toró", daqueles que sempre vem acompanhados de trovões, raios e possibilidades de enchentes, acabamos por ficar em casa, cancelando o passeio. O cancelamento do nosso passeio não foi uma decisão baseada no nosso livre-arbítrio, mas forçada pelo determinismo da natureza.
Podemos imaginar muitos outros exemplos onde o nosso livre-arbítrio é cerceado pelo determinismo. Vivemos num mundo onde, por força do nosso estágio evolutivo, nossas capacidades espirituais são limitadas pelas forças físicas que atuam no planeta. O corpo físico é como uma prisão para o espírito, que impede sua livre manifestação. O determinismo da natureza também limita nosso livre-arbítrio, pois o nosso corpo físico também está subordinado ao determinismo físico.
Alguns escritores, como Carlos Toledo Rizzini, no livro Evolução para o Terceiro Milênio, colocam que o aspecto essencial da questão é em saber se a pessoa era livre ou não para tomar uma decisão diante das múltiplas escolhas de uma situação real. Se a pessoa tinha condições de escolher outra decisão ou se escolheu a única que poderia ter escolhido.
E ele tem razão, porque não são apenas os fatores de ordem material que limitam nosso livre-arbítrio. Também existem fatores de ordem moral.
Os limitadores mais comuns são:
Por isso mesmo é que podemos afirmar que, embora todos possuímos o livre-arbítrio, o possuímos em graus diferentes, uns mais outros menos.
O que determina o grau de desenvolvimento do nosso livre-arbítrio é a nossa consciência. De onde se conclui que quanto maior for o desenvolvimento da nossa consciência, maior será a nossa capacidade de decisão, de livre-arbítrio.
Mas o desenvolvimento de nossa consciência se dá pelo aprendizado, pela capacidade que temos de identificar e corrigir velhos conceitos, ou seja, na nossa capacidade de reforma íntima. Quanto mais eficiente formos em nos reformarmos moralmente, maior será o desenvolvimento de nossa consciência e, por conseqüência, maior será o nosso livre-arbítrio. Por isso identificamos há pouco os fatores morais limitadores do nosso livre-arbítrio.
O uso do nosso livre-arbítrio nos impõe responsabilidades.
Têm-se livre-arbítrio, nosso semelhante também o tem. E todas as vezes que desrespeitamos a liberdade de escolha de nosso semelhante, estamos transgredindo uma lei, provocando um mal que precisa ser reparado.
Quando um espírita afirma que o destino não existe, que nada está traçado irremediavelmente e que o homem é sempre o responsável pelo que faz, pode ficar uma dúvida em relação àquelas situações que algumas pessoas vivem e nada do que fazem parece modificar.
De fato, existem pessoas para as quais parece que a sorte não lhes sorriu. Nasceram para sofrer e tudo o que fazem dá errado. E existem aquelas para as quais tudo dá certo. Não precisam de muito esforço, qualquer pensamento, qualquer ação resulta favorável. E ainda existem aquelas que nasceram numa condição física, ou social, que nada consegue alterar.
É natural que nos perguntemos onde está o livre-arbítrio nestes casos.
São estas situações, em geral, que levam as pessoas a acreditarem no destino.
De uma certa forma, o destino e a fatalidade existem em nossas vidas. Mas apenas de UMA CERTA FORMA.
Quando desrespeitamos, ferimos ou agredimos de qualquer forma alguma pessoa, surge aí um problema a ser resolvido. Este problema envolve muitas questões como o perdão, por exemplo. Mas abordaremos tão somente a questão do livre-arbítrio.
Ao desencarnarmos levamos conosco o resultado de nossas ações. Desencarnados passamos por um processo de conscientização dos erros praticados e o desejo de reparação surge como única alternativa. E a reencarnação nos aparece como oportunidade única de nos reajustarmos, de reequilíbrio.
Antes da reencarnação, nossa nova existência na matéria é planejada e optamos por esta ou aquela situação. A situação das pessoas "sortudas" ou das "azaradas", das perfeitas fisicamente ou das limitadas. Enfim, todo o planejamento que é feito com a nossa concordância. E tudo o que nos acontece foi um ato de nosso livre-arbítrio quando desencarnados.
Quando enfim nascemos, não nos lembramos do que decidimos nem do que escolhemos para melhor nos conduzir no sentido de nossa recuperação moral. Neste sentido, o nosso destino está decidido e traçado sem que, muitas vezes, podemos fazer qualquer coisa para alterar. Mas não se trata aqui do destino que a filosofia do Determinismo define, pois este destino foi decidido num ato de nosso livre-arbítrio.
Mas existem aqueles casos onde nem sempre participamos das escolhas de nossas provas e outras pessoas melhores capacitadas decidem por nós. Ainda assim, o nosso livre-arbítrio é o determinante das provas, pois sempre somos livres para optar pelo bem ou pelo mal.
Não existe nenhuma obstrução, determinação, nenhuma fatalidade ou nenhum destino que nos leve a decidir pelo fazer o bem, pelo fazer o mal ou pela omissão (o que por si mesmo já é um mal). A nossa liberdade de escolha sempre será nossa, de nossa responsabilidade e determinante do nosso futuro.
Embora tudo isto seja verdade, não podemos achar que tudo, exatamente tudo está definido e decidido sem que possamos alterar a direção dos acontecimentos.
Se uma pessoa queima o dedo na chama do fogão, com toda a certeza foi por causa de sua imprudência ou falta de atenção, e não porque isto estava planejado.
No planejamento de nossa vida só entra os detalhes mais importantes e significativos para o nosso desenvolvimento espiritual.
Uma pessoa que nasce numa família de malfeitores, numa sociedade de valores morais baixos não pode justificar-se pelo meio ambiente por ter feito isto ou aquilo.
Na verdade, o que determinou seu nascimento neste meio ambiente foi sua própria escolha para que pudesse aprender a resistir às tendências ao mal. Se ceder e praticar o mal, fracassará em sua missão.
Devemos sempre nos lembrar que a opção pelo bem ou pelo mal é sempre nossa, sem interferências, e limitado apenas pelo nosso desenvolvimento moral.
Não podemos colocar a culpa em nosso destino, aquele destino que escolhemos antes de nascer, por ter matado alguém. Ninguém nasce com a opção pelo bem ou pelo mal, pronta. Mas podemos nascer com uma situação onde teremos a oportunidade de puxar ou não o gatilho; teremos a oportunidade de escolher entre matar ou salvar uma pessoa. Esta decisão não está definida e o que será decidido dependerá do nosso livre-arbítrio.
Por isso mesmo, nos corrigirmos, modificarmos nossos modos, praticar ou não a caridade, libertarmo-nos dos vícios, nos transformarmos para melhor ou para pior, será sempre uma decisão do nosso livre-arbítrio.
Não nos esquecemos, jamais, de que a lei de ação e reação é inflexível. Uma vez que optamos pelo bem ou pelo mal, receberemos suas conseqüências positivas ou negativas conforme tiver sido a nossa voluntária escolha.
Disso tudo concluímos que o livre-arbítrio não é dado gratuitamente a todos pela Bondade Divina, mas é conquista de cada um dentro da Justiça Divina.
Se hoje o nosso livre-arbítrio é limitado pelos nossos problemas morais, como vimos ainda há pouco, é nossa responsabilidade nos livrarmos dessas limitações, nos reformando, para que tenhamos cada vez mais aumentada nossa capacidade de decisão. Acomodar-se numa situação para não seguir em frente é inércia, e pagaremos o seu preço ao sabor amargo de muitos desgostos até que aprendamos enfim, a nos corrigir e não culpar os outros, o destino ou a fatalidade pelos nossos fracassos.
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